domingo, 12 de junho de 2011

Comerç 24

Amigos e amigas,

talvez este seja o último restaurante sobre o qual pretenda escrever nessa minha breve passagem por Barcelona (talvez escreva mais um post sobre outras "tipicidades"). Já de volta ao Brasil há muito tempo, com certeza esse post é mais sacrificado pela minha lembrança, já que a minha memória há tempos pede um pouco de Ginko Biloba.

Escolhemos o Comerç 24, do Chef Carles Abellan, por saber que era um dos restaurantes points de Barcelona... Mas poderíamos ter ido a muitos outros, pois opções é o que não falta em Barcelona.


A verdade é que, ao contrário do DiverXo, de Madri, o Comerç 24 - que fica na carrer (rua) Comerç, número 24 - extrapola o uso do conceito cozinha molecular. Bolas com aparência de coco, mas que foram manipuladas em gelatinas, se transformam em texturas e tamanhos irreais, mas na verdade é realmente coco com a infusão de líquidos e sabores surpreendentes. Olha, não estou elogiando! É surpreendente, porque é inesperado... Chega a ser interessante, no primeiro momento, mas enjoativo e artificial no instante seguinte.

Mas vamos falar das coisas boas: um dos pontos fortes foi a entrada. Pães e diversos azeites - tanto os de sabores mais leves, oriundos da região da Catalunha, como os de sabores mais intensos, um da Andaluzia e um último da região da Extremadura...

Depois dos pães foram servidos uns "tapas" legais: primeiramente, o filo parma basil, que consistia em uns sticks de queijos com folhas de manjericão nas pontas; depois umas mini pizzas também muito gostosas; em seguida, o monkfish (tamboril), servido como se fossem sashimis temperados com gergilim negro e alho negro também...

Vieram depois dos "tapas" a sucessão de exageros: 1) o Bangkok asparragus soup, que era o coco ja citado acima em um bowl, que mais parecia preenchido por um consomê do que por uma sopa. E os aspargos? Não apareceram... Nem o cheiro, rs. 2) foram servidos os cockles (vôngoles) dentro de cápsulas de gelatinas transparentes, em meio a um caldo (dashi) que mais parecia ser feito à base de carne/vitela; e 3) por último veio, pra completar as três (des)graças do exagero no uso da técnica da cozinha molecular, o prato que se chamava consomé: feito do mesmo caldo do prato anterior, com seis bolotas com sabores de ovo, queijo parmezão e trufas... Tais ingredientes foram convertidos, novamente, em esferas gelatinosas...

Ainda houve tempo para ser oferecido um Kinder ovo: um creme/espuma de ovo servido na própria casca do ovo. O garçom chegou a dizer que no fundo do ovo haveria uma surpresinha. Só não revelou qual era. Mas revelo desde já, rs: no fundo havia um sabor de trufas.

Não é que o creme de ovo com trufas estivesse ruim... O problema era o excesso de ingredientes "retorcidos" que dava um aspecto artificial em demasia, e transformou a sequência dos pratos em um ritual ruim e até mesmo desagradável.

Na continuação, foi servido um salmonete, peixe de sabor bem forte, que foi servido em uma linda decoração sobre o prato - o que mostrou que a organização da cozinha, ou o mise en place, deveria ser no mínimo bom. Afinal, depois de tantos pequenos pratos servidos... este prato estava muito bom.

Por último, ainda foi servido um cochinillo que, em minha memória, não foi registrado nada que valesse a pena comentar.

É... e as sobremesas? Também não foram nada que merecesse grandes destaques.

A primeira que lembro foi um pudim de chocolate, servida com gotas de azeite e sal. É... uma sobremesa com sal, daquela maneira, foi diferente... Mas não me chamou nem um pouco a atenção.

Lembro também de um chá, o Natural "Nestea", de dois sabores que nos foi servido: em um mesmo copo a metade superior consistia em um chá verde, denso e espumoso, e a metade inferior era, se não me engano, de pêssego. Este chá duplo foi sem dúvida o que eu menos gostei dentre todas as sobremesas oferecidas.

O doce que mais me atraiu foram uns bastões de nougat com chocolate e café.

Há pouco tempo, vi uma entrevista da Chef Paola Carosella, do restaurante Arturito, em São Paulo, no programa Sala Vip, do jornalista Salomão Schvartzman. Ela defendeu a ideia de que a comida molecular chegou, mas é uma moda que tem tempo pra acabar... Isto porque as pessoas preferem comer coisas mais caseiras; e que comidas extremamente elaboradas seriam bom para uma ocasião especial... Não para o dia-a-dia.

Concordo em parte. Minha divergência sobre tal crítica da Paola é em relação ao uso da técnica sob medida. Em outras palavras: usando tal técnica de modo adequado, a cozinha molecular veio pra ficar. Lembro a todos que, em algum ponto da nossa história, alguém colocou os alimentos em uma panela e esta sobre o fogo... Com certeza, alguém achou isso muito louco e chamou tal técnica, na época, de algo próximo de cozinha "molecular", que não ia ficar pra sempre... Hoje nem percebemos, mas tal técnica está incorporada ao nosso dia-a-dia e faz parte de todo o "processo" - para muitos, alta gastronomia está associada a um "processo".

Na edição deste mês (julho/2011) da Playboy, há uma reportagem sobre duas casas que estão se destacando dentro do conceito "cozinha molecular": 1) o restaurante El Celler de Can Roca, eleito o segundo melhor restaurante do mundo; e 2) a "drinkería" 41˚, pertencente ao provável pai desta tendência gastronômica, Ferran Adrià. Ambas localizadas na região da Catalunha.

Eu, sinceramente, ao ler essa reportagem, tive muita vontade de visitar tais casas, assim como gostaria de retornar ao DiverXo, que surpreendeu do início ao fim, com boa técnica. De qualquer forma, uma certeza eu tenho: não gostaria de retornar ao Comerç 24!

Beijos e abraços,

Twitter
@viverparacomer

2 comentários:

Jussara disse...

Henrique,
Concordo com você, não voltaria ao Comerç, 24. Achei exagerado também. É preciso saber usar as técnicas modernas. Os irmãos Roca do El Celler mostram como, são artistas. Estive lá em novembro e recomendo.
Um abraço e parabéns pelo blog.
Jussara

Henrique Cesar Tupper disse...

Legal Jussara, ouvi falar bem também do El Celler. Se eu não me engano são três, né?
Obrigado pelo comentario positivo.

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Olá, sou carioca e um grande apreciador de um bom prato. Com este intuito, tentarei escrever as minhas impressões sobre os restaurantes em que eu vier a comer - descrevendo qualidades e defeitos de cada um. Caso tenha o interesse de complementar as minhas opiniões, por favor, não deixe de contribuir. Restaurantes bons devem ser vangloriados, enquanto restaurantes ruins devem ser evitados. Não concorda? Então, vamos lá... Mãos ao garfo!