quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Lado A de Woody Allen e o Lado B

Amigos e amigas,

Eu nunca gostei muito dos filmes do Woddy Allen: mais por implicância do que por alguma razão objetiva. Acredito que a minha implicância seja pelo fato de Allen produzir filmes muito mais verborrágicos do que propriamente cinematográficos.

Mas é inegável que ele possui diversos filmes interessantíssimos. E, inclusive, ele também possui filmes cinematográficos, com linguagem e narrativa propriamente de cinema. "Meia Noite em Paris" utiliza as imagens das diversas "Paris" que já existiram - fácil quando uma cidade preserva a sua arquitetura histórica -, de modo que complementam visualmente a história genial, que lhe valeu o 'Oscar' de melhor roteiro original.

Ele tem diversas sacadas geniais: quando, ele próprio, por exemplo, interpreta um alucinado e fala para Jason Biggs em "Igual a tudo na Vida":

"Se alguém lhe der um conselho, não retruque... Diga 'Ahhh... que ótima idéia'. Depois faça o que achar melhor fazer"


Orientações para uma vida.

Ou então, em "Dirigindo No Escuro", quando após ser acometido por uma cegueira histérica passa a dirigir um filme completamente cego e acaba realizando uma película sem pé nem cabeça. No final, depois do filme dele ser um fracasso completo de bilheteria, ele resolve se mudar para a França pois lá os franceses o reconhecem como gênio e elegem o filme dele como uma verdadeira obra prima.

A maioria do público ri, mas, para mim, vejo tal desfecho como um ensinamento: 'escolha quem te valoriza'.

E Match Point? Todos sabemos que Allen é um fanático por Dostoievsky. Não há um filme que ele não o cite... Mas daí adaptar "Crime e Castigo" aos tempos atuais é mais que paixão e, sim, pretensão... E fazer o filme que ele fez é prova de maestria. A fria Londres não podia ser cenário cinematográfico melhor para uma adaptação moderna de Dostoievsky, que somado à trilha sonora compõem a tal 'falta' de linguagem cinematográfica que eu criticava no início desse post. Acho que esse filme deve ter sido mais difícil de ter sido concebido do que a adaptação que o Stanley Kubrick fez antes de morrer do livro de Arthur Schnintzler (aliás, alguém em SP já foi à exposição do Kubrick?).

Bom, mas o último filme de Woddy Allen em cartaz é Blue... Blue Jasmine.

Cate Blanchet é um show

Woody Allen retrata a decadência pessoal da esposa de um milionário de NYC que circula nas altas rodas dos Hamptons, durante o verão, e aproveita o seu network para dar desfalques a quem quer que ouse acreditar em seus investimentos. Com dívidas superiores aos ativos que possui, vive constituindo offshores e empresas em nome de terceiros (no caso, em nome de Jasmine, sua esposa) e, assim, mantém intacta a sua credibilidade, desenvolvendo tanto empreendimentos falidos, quanto aumentando o seu harém de amantes.

Jasmine, na verdade, se chama Jeanette, mas troca seu nome para estar mais adequado para circular no Upper East Side de Manhattan. Mas, em um ato de lucidez, ou de desespero, Jasmine confronta o marido e, a partir daí, se inicia o processo de decadência pessoal que provavelmente dará um 'Oscar' à excelente Cate Blanchet.

Eu conheço algumas cidades nos USA e, dentre as cidades americanas, a que eu mais gostei até hoje foi, sem dúvida, San Francisco. E é justamente para lá que Jasmine vai pra percorrer a sua via crucis pessoal até ser crucificada em praça pública. Interessantemente, Allen despreza as belas fotografias possíveis de serem obtidas em San Fran para adaptar corretamente a narrativa dramática de Jasmine: planos fechados, interiores escuros e tempo nublado é o que há para a protagonista desenvolver o seu colapso.

Okay, isso aqui é um blog de gastronomia. No entanto, se você acha que eu ia argumentar que a metáfora de Jasmine está associada a decadência da sociedade americana, baseada em futilidade e fraudes, acometendo os verdadeiros trabalhadores americanos, que poupam para abrir o seu próprio negócio, o fardo de manter a sociedade, você está enganado.

Mas a metáfora se aplica perfeitamente a essa tsunami de novos restaurantes que vem abrindo no RJ: "sem uma cozinha verdadeira, mas com muito rococó", que simplesmente não acrescenta. Tenho preferido não escrever sobre essas caríssimas decadências morais - embora eu acredite que os preços altos sejam um mal inevitável que deveria limitar a ida dos clientes, reduzindo a demanda; ou, alternativamente, provocar a abertura de novos restaurantes, aumentando a oferta, até o reequilibro dos preços em um patamar menor. Mas isso não está funcionando no RJ!

O hambúrguer de picanha: a minha escolha de sempre.

Como exemplo dessa derrocada de valores, li recentemente um texto em um blog, de um autor que desconheço, que me fez rir bastante. O texto é Almoço no Leblon Com muito humor, o autor destaca a falta de substância dos diversos estabelecimentos que nos cercam e a ausência de critério da 'manada' de consumidores enlouquecidos.

Mas nós não precisamos ir para San Francisco colapsar, como Jasmine fez. Ao sair do cinema, fui ao Bazzar Lado B pela primeira vez. Sem muita afetação, pude pensar e digerir Woody Allen com calma.

Aproveitei e pedi um excelente hamburguer de picanha, acompanhado de uma batatinha crocante. Mas o grande destaque foi, sem dúvida, o Croque Madamme, que eles servem por lá sob a alcunha de croque sinhá: duvido alguém dizer que existe algum melhor na França.

O croque sinhá

Essa ida ao Bazzar da Livraria da Travessa de Ipanema abriu uma via não só de lanche/refeição, como também de programa para o domingo à noite: cinema e resenha cinematográfica. O perigo é sair de lá com mais um livro do Dostoievsky ou do Samerset Maughan.

É... se você não concordou com que escrevi... Ou se você acha que eu deveria escrever sobre a cozinha molecular do Oro... você já sabe a minha resposta, né?

'Ahhh... que ótima idéia'.

Beijos e abraços,


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@viverparacomer


Bazzar - Lado B
Rua Visconde Pirajá, 572 - Ipanema, RJ - ( 2˚ andar da Livraria Travessa)
Tel.: (21) 2249-4977.

Quem sou eu

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Olá, sou carioca e um grande apreciador de um bom prato. Com este intuito, tentarei escrever as minhas impressões sobre os restaurantes em que eu vier a comer - descrevendo qualidades e defeitos de cada um. Caso tenha o interesse de complementar as minhas opiniões, por favor, não deixe de contribuir. Restaurantes bons devem ser vangloriados, enquanto restaurantes ruins devem ser evitados. Não concorda? Então, vamos lá... Mãos ao garfo!