sábado, 15 de junho de 2013

Os Pacientes Cariocas


Amigos e amigas,

recentemente eu li duas reportagens aparentemente antagônicas:

1) A Fala da Comida

Carlos Alberto Dória realiza uma excelente entrevista com Daniel Redondo e Helena Rizzo (chefs e donos do Maní) , no caderno Ilustríssma da Folha de SP, na matéria intitulada A Fala da Comida

Na introdução, Carlos Alberto escreve que a "gastronomia ganha contornos de 'sistema' cultural análago ao da moda".

Verdade, principalmente se considerarmos o apelo do fenômeno gastronômico em todo o globo.

Anthony Bourdain confirma essa tese em seu último livro "Ao Ponto" (Medium Raw). Descreve que hoje há um reverenciamento aos chefs que jamais existiu. Como exemplo, ele afirma que hoje os adolescentes norte americanos conhecem o nome de todos os chefs famosos, e não sabem o nome de todos os integrantes da sua banda preferida.

Cozinhar deixou de ser um simples ato artesanal e, assim como na alta costura, "criou" uma legião de seguidores para determinado restaurante/chef.


2) Um Rio de Serviços Ruins

Com ar de denúncia ao povo carioca, Gilberto Scofield Jr relata no O Globo, em sua coluna semanal, Um Rio de Serviços Ruins; sobre as durezas de ser mal atendido no RJ.

Gilberto é muito feliz ao escrever o artigo e não restringe o problema a serviços em restaurantes.

Ele ainda destaca no início do texto que os "serviços no Rio são caríssimos e inexplicavelmente ordinários."

Depois de ler ambos os artigos, eu tive uma constatação empirica que me fez pensar sobre as duas reportagens.

3) Salitre, sábado - 08/06

Sábado passado fui ao Salitre - restaurante que se vangloria dos vinhos que oferece. Localizado na rua Barão da Torre, em Ipanema, possui uma bela varanda e é muito calmo.

Já fui algumas vezes lá antes, com algumas boas experiências.

Chegando lá, vimos que o cardápio havia mudado - não apenas os preços, mas diversos pratos novos haviam sido adicionados e outros excluídos.

Perguntando ao garçom que nos atendia sobre alguns pratos antigos, ele alegou que o novo chef havia reformulado todo o cardápio.

Como relatado na entrevista de Carlos Alberto Dória, falar, hoje em dia, em nome de uma entidade como o chef, é sinal mais do que natural: se o chef muda tudo, o cliente deve aceitar, pois a mente criadora do chef vale mais do que a vontade do cliente.

"Okay. Vamos ver se vale a pena." Pensei.

De entrada pedi um clássico da casa: bruschetta de presunto cru, brie, rúcula e mel. Outrora era muito boa e, inclusive, emoldura esse blog no topo (na época, eles a serviam com vinagre balsámico e alecrim).

Infelizmente, não veio com o capricho usual. Mas nada que valesse especificar. Apenas não veio com a emoção esperada.

Em sequência, pedimos os nossos pratos: fraldinha grelhada, para mim, com legumes ao provençal. Carol, a testemunha eterna do meu humor em (bons e maus) restaurantes, pediu o peixe do dia com soufflé de legumes.

Aliás vale a pena comentar sobre o peixe do dia: o primeiro garçom que apareceu informou que era badejo. Um segundo voltou e afirmou categoricamente que era dourado. Mas acabou ficando na dúvida por termos afirmado que o outro garçom nos havia dito que era badejo.

Voltou e retificou: tilápia. (Bom, ao menos não usou estrangeirismo em chamá-lo de San Pietro/Saint Pierre etc).

O restaurante estava vazio. Após sentarmos, apenas mais um casal chegou. Mas a espera foi bem longa. Inclusive para solicitar mais uma bebida - e, repito, o Salitre é um restaurante de vinhos, onde se espera um atendimento mais próximo para poder ser servido.

Mas a maior emoção é sempre guardada para o final: quando os pratos chegaram, a Carol logo alertou que havia pedido soufflé de legumes e não legumes ao provençal.

A resposta foi bem rápida: " Sra. esse é o soufflé da casa'.

Achando que o atendente havia confundido e servido o meu pedido à ela, mais uma vez alertou. E a resposta foi a mesma, mais enfática: "É assim o soufllé da casa!"

Como eu havia pedido legumes ao provençal, e o meu prato veio correto, provoquei o garçom: "Se o dela é soufflé, o meu é o quê?"

Resposta: "Legumes ao provençal!"

Então tá... Insisti: "Qual é a diferença entre os nossos pratos, por favor?"

O garçom resignado apelou para o 'Santo Padre' das instituições gastronômicas: "Irei verificar com o chef!"

Desaparceu o resto do almoço.

No final, quando terminávamos, ele apareceu com uma tigelinha, que continha alguns legumes boiando em um molho branco, gratinado, pedindo desculpas pelo engano.

4) Síntese

Após essa epopéia concluí que de fato muitos restauranteurs acreditam que são "Intocáveis", orientando e treinando mal os seus funcionários. Tem a certeza de que nenhum cliente irá questioná-los. E, muitos pensam: "alcancei o Olimpo!"

O pior é que, como Gilberto Scofield Jr relata, aqui no Rio nem é necessário a casa alcançar o "Olimpo", que o mau atendimento já vem de brinde.

Relendo as duas matérias citadas acima, cheguei à conclusão que as reportagens não são antagônicas no RJ: a moda atual na gastronomia eleva o ego de restauranteurs/chefs e estes não tem necessidade/vontade de oferecer um melhor treinamento para sua equipe. E os garçons, que sempre tiveram como padrão atender mal, não precisam modificar a sua maneira medieval de servir.

E a verdadeira conclusão que cheguei é que quem está fora do tom somos nós, clientes, que nunca contestamos o mau atendimento que recebemos. Nós, clientes, somos quem está errado.

Ou, devido a paciência que temos que dispor, deveríamos nos auto-intitular como "pacientes"?

Beijos e abraços,

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@viverparacomer

Salitre Vinhos
Rua Barão da Torre, 632 - Ipanema
Tel.: (21) 2540-5719.

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Quem sou eu

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Olá, sou carioca e um grande apreciador de um bom prato. Com este intuito, tentarei escrever as minhas impressões sobre os restaurantes em que eu vier a comer - descrevendo qualidades e defeitos de cada um. Caso tenha o interesse de complementar as minhas opiniões, por favor, não deixe de contribuir. Restaurantes bons devem ser vangloriados, enquanto restaurantes ruins devem ser evitados. Não concorda? Então, vamos lá... Mãos ao garfo!