terça-feira, 8 de março de 2011

Napa sem Napa

Amigos e amigas,

Napa Valley é um dos atuais destinos dos enófilos, sobretudo, americanos. Não sei se os enófilos do resto do mundo se atentam com muito entusiasmo pra Napa, mas, depois do sucesso do filme Sideways, é possível que Napa venha atraindo turistas, de um modo geral, mesmo que o filme tenha sido filmado em outra área vinícola da Califórnia - Santa Inez Valley.


Agora, o que há por trás de Napa Valley talvez seja muito mais publicidade do que fato: pra começar os vinhos medianos de Napa não são bons - na minha opinião, é claro. Bom, não sou nenhum grande conaisseur de vinhos, mas garanto que me diverti mais nas vinícolas da Austrália, mais especificamente em Hunter Valley, que por sinal nem é a região mais conceituada de vinhos por lá. Os vinhos ordinários franceses, ou seja, os vinhos do dia a dia, também são melhores, sem dúvida!

Então, qual é o grande barato de Napa? Sinceramente, de novo, a publicidade.

Mas você acha que vale a viagem a Napa? Acho que vale, mas vamos por partes... Antes de entrarmos nos vinhos, vamos falar da região, que é maravilhosa!



Napa Valley contém não apenas a cidade de Napa, mas também diversas outras cidadezinhas bem bonitas: Yountville, Oakville, Ruthford, Santa Helena e Calistoga. A cidade de Napa em si são as fazendas de Napa e Napa Downtown, onde as pessoas moram, se hospedam, cheios de Mc Donalds, Pizza Hut, Burgerkings e até um Premium Outlet. Bom, e aí? E aí vem a minha primeira recomendação: se você quer viajar para um lugar de vinho, com clima de campo, aconchegante e "tudo de bom", recomendo não ficar em Napa Downtown, por ser muito grande e não ter muito desses atrativos.



Como eu sempre penso nos restaurantes, procurei a cidade de Napa Valley que possuía os melhores restaurantes da região. E foi fácil encontrar... The French Laundry, Bouchon, Ad Hoc, Hurley's, Bistro Jeanty, etc. estão todos localizados na cidade de Yountville. E valeu a pena ter feito essa escolha, pois, além da cidade de Yountville ser a cidade com mais estrelas do guia Michellin per capita dos USA, é, sem dúvida nenhuma, a mais bonita de toda a região. Ah, e ela se situa bem no coração de NApa Valley...



Parece uma cidade típica da serra do RJ, mas com um toque todo francês. Não precisa do carro para ir a nenhum restaurante, dá pra conhecer todo o centrinho de Yountville a pé, e à noite a cidade ainda fica mais bonita! Estávamos cercados pelo domínios do Chef super conceituado, Thomas Keller - atrás da nossa pousada, geminada a ela, ficava o Bouchon Bistro, a outra porta era da Bouchon Bakery... Mais 100 metros acima era The French Laundry - restaurante nave mãe, que transformou o Sr. Keller em um dos grandes ícones da culinária mundial.


Falando em The French Laundry, reparei que a cidade funciona meio que no entorno dele. A sua localização fica no final de Yountville e as pousadas que estão a meros 15 passos do restaurante estão todas sem vagas, e geralmente são mais caras e piores do que as demais que estão a apenas 50 metros a mais... A partir das 17 h, quando começa a se servir o jantar por lá, diversas vans com grupos se aproximam do restaurante, que vieram de San Francisco e pretendem voltar ainda no mesmo dia. A verdade é que de San Francisco para Napa se gasta no máximo 1 h e meia. É curioso a romaria que se faz ao The French Laundry, mesmo tendo que reservar com no mínimo 2 meses de antecedência e sendo tão caro... Deve valer a pena!


No tocante às demais cidades, Oakville me pareceu ser mais passagem e tem uma loja de queijos e charcuterie interessante, a Oakville Grocery; Ruthford também parece ser meio passagem, embora possua um ótimo hotel com restaurante lá, o Auberge de Soleil; Santa Helena é bonitinha também, com um bom centrinho de restaurantes (alguns famosos) e lojas - há uma padaria célebre por lá também, a The Model Bakery; e Calistoga me pareceu ser a mais rural que as demais.



E Napa Downtown? Se você gosta mais de downtown, de cidade mesmo, de lugar que tenha Mc Donalds, de Outlets e de Hospital (Queen of the Valley)- isso porque precisei visitar o hospital de Napa Downtown, em uma emergência, às 1:30 h da manhã - então, fique em Napa Downtown... Lógico que eu não conheci tudo, então pode ser que tenha lugares legais por lá que eu não tenha visto.

Mas e os vinhos?

Um amigo meu, Pedro Portugal, enófilo, sócio do restaurante Montagu, no centro do RJ, me deu o mapa dos vinhos. Segundo ele, Domaine Carneros produz um ótimo espumante, a vinícola do Coppola e do Robert Mondavi - pioneiro no renascimento das vinícolas de Napa - também produzem ótimos vinhos... Napa é cortada pelas estradas I-20 e Silverado Trail e, assim, ele me disse: "não deixe de ver as as wineries de Silverado trail... Tem uma subregião que produz os melhores e mais caros vinhos de Napa - Stag's Leap". E uma das últimas dicas que ele me deu foi: "não deixe de ir a Sterling vineyard", que fica localizada em Calistoga. Ressaltou que essa Vineyard valia mais pelo passeio do que pelo próprio vinho... Há nessa Vineyard um passeio pelo terreno, em declive, através de um teleférico...

Infelizmente quase não aproveitamos as dicas do valente Pedro.


Isto porque, no primeiro dia em Napa, resolvemos fazer um passeio guiado pela wineries - seria mais prático, sem riscos de nos perdermos e também de não sermos parados pela blitz da lei seca em plena Califórnia. Arrumamos um tour de vinhos chamado Platypus Tours que cobrava US$ 99,00 para nos levar em até 4 vinícolas. Achei um pouco extenso, pois, na minha opinião, 3 vinícolas no mesmo dia já seriam de bom tamanho. De qualquer forma, a idéia do tour era boa, pois além da comodidade de ser levado em uma van, eu não precisaria reservar nenhuma winery - condição necessária para visitá-las em Napa. Eles ainda serviam água à vontade para ser bebeida na van e diversos pães e queijos! Voilà, ótimo!

Eu e Carol nos juntamos a mais dois casais - não lembro o nome deles, mas um era da nossa idade, de Pittsburgh, e o outro bem mais velho que nós, oriundos de Washington DC. Todos muito simpáticos, conversadores e muito curiosos sobre o Brasil e, em particular, sobre os vinhos do Brasil.


O nosso guia nos levou para quatro vinícolas: Elkhorn Peak Cellars, Bourassa Vineyards, Andretti Winery e Robert Biale Vineyards.

Todas elas tinham duas coisas em comum: cobravam US$ 10,00 pela entrada no taste room - que eram abatidos caso você comprasse algum vinho - e todas elas produziam um vinho bem mais ou menos. Vou comentar rapidinho sobre elas:

- Elkhorn Peak Cellars:

Fomos recebidos pelo proprietário, Ken, e tomamos um vinho branco, um rosé, um pinot noir - que o Ken fez questão de dizer que era premiado - e um de sobremesa. O Pinot Noir era bonzinho... O de sobremesa era o melhor... Mas valeu a ida nesse vinhedo pois foi a melhor apresentação... Aliás, a única feita pelo próprio produtor e lavrador. Ele nos disse com veemência que em Napa não há nenhum glamour de filme, e sim muito trabalho. Deu uma idéia geral sobre a indústria do vinho na região e deu a entender que a vida é bem dura e cheia de riscos - como de qualquer produtor agrícola.


O escritório dele ficava no alto de um platô em que era possível ver a baía de San Pablo, logo à frente da Golden Gate.

- Bourassa Vineyards:



Foi uma apresentação bem animada e foi onde nós almoçamos. Na verdade, eles não eram produtores, e sim comercializadores. Possuem até uma pequena plantação, mas a maioria das uvas deles são compradas de produtores exclusivos. Olha, sempre tenho dúvida sobre vinhos de comercializadores, mas bebemos alguns bons vinhos lá... Aliás, foi nesta winery que na minha opinião tivemos um problema que só foi resolvido no hospital. A nossa anfitriã fez questão de apresentar os vinhos que ainda estavam amadurecendo nas barricas de carvalho... Bebemos o Merlot, o Cabernet Sauvignon e o Petit Verdot...

Depois, a anfitriã resolveu nos dar um blend do corte bordalês - ou seja, a mistura dos três.... O fato é que depois de ter bebido tanto vinho direto da barrica de carvalho, com um gosto bem forte, senti inclusive o sabor de chumbo, percebi logo depois que tinha ficado um pouco pesado... Mas nada de especial. Seguimos em frente!

- Andretti Winery:


Fomos a esta vinícula de propriedade do piloto de fórmula Indy, Mario Andretti. Muito bonita, mas... De todas, a pior. Se for a Napa, não perca o seu tempo com ela.

- Robert Biale Vineyards:

Na minha opinião, foi a melhor! Provamos alguns vinhos e em especial o Black Chicken - a maioria dos vinhos feito à base da uva Zinfadel, mais conhecida como Primitivo. Posso falar pouco sobre os vinhos, pois depois de tanta informação (e de beber tanto vinho, rs) já não consegui capturar alguns detalhes. Mas lembro que a anfitriã apresentou muito bem cada um dos vinhos e era muito solícita. A propriedade e a localização do taste room eram bem legais - justamente quando estávamos lá apareceu o sol e um arco-íris. Muito legal!

Ao voltar pra pousada - saímos 10h e voltamos às 17h - combinamos de descansar uma horinha e depois irmos jantar. Após duas horas relaxando, a Carol começou a se sentir muito mal, enjoada, e tivemos que abandonar a nossa reserva especial para jantar. Às 22h, fui ao mercado comprar sal e açúcar para fazer soro caseiro... Aliás, vale contar: nos USA se tiver uma placa de "STOP", mesmo que não tenha uma alma viva na rua, pare, conte até três e vá! Preocupado em achar um mercado aberto em uma cidade que dorme super cedo, passei por uma placa de STOP a 10 milhas/h = 16 km/h. O guarda local que estava de tocaia me parou e disse que, pelas leis da Califórnia, eu poderia ter atropelado alguém. Só não me deu uma "citation" (multa+comparecimento obrigatório no juizado, não podendo deixar a cidade antes de se defender previamente), pois ficou com pena da situação da Carol. Não apenas me liberou, como me conduziu ao mercado 24h de Yountville.

De volta ao hotel, preparamos o soro mas não adiantou: liguei para o seguro viagem (olha a importância de se ter algum!) e fomos encaminhados, à 1 da manhã do dia seguinte, para um hospital em Napa Downtown - o Queen of the Valley. O médico e as enfermeiras foram super atenciosos e a Carol tomou soro na veia e remédio. Saímos de lá por volta das 3 da manhã. Recomendações médicas: não beber vinho, nem comer comidas gordurosas ou cruas por 48 horas. Infelizmente, terminou por aí as aventuras do Viver Para Comer em Napa Valley.

Pode ter sido um vírus? Pode. Pode ter sido uma leve intoxicação alimentar? Pode também. Mas na minha opinião, os vinhos na barrica de carvalho me pesaram... Eu não passei mal, mas senti um desconforto logo que saímos de lá. Não sei, nem saberei o que de fato ocasionou o mal estar, mas este enjoo e a chuva do dia seguinte atrapalharam alguns planejamentos - principalmente, no tocante à gastronomia da região.

À exceção do mal estar da madrugada, a nossa estadia em Yountville, a nossa pousada/hotel Maison Fleurie e a atenção da nossa hostess deixaram um gostinho de quero mais... E talvez ir no inverno lá seja o momento mais apropriado, pois os hotéis estão mais vazios, os preços mais em conta, o clima está mais convidativo para o vinho e a lareira pode ser ligada! Mas, novamente, se quiser se aventurar por lá, fique em Yountville. É estranho, mas é melhor ir a Napa sem ficar em Napa! Como diz o Ricardo Freire, do Viaje na Viagem, vai por mim, rs.

Beijos e abraços,



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@viverparacomer

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Olá, sou carioca e um grande apreciador de um bom prato. Com este intuito, tentarei escrever as minhas impressões sobre os restaurantes em que eu vier a comer - descrevendo qualidades e defeitos de cada um. Caso tenha o interesse de complementar as minhas opiniões, por favor, não deixe de contribuir. Restaurantes bons devem ser vangloriados, enquanto restaurantes ruins devem ser evitados. Não concorda? Então, vamos lá... Mãos ao garfo!